Rincon de Darwin (2013)

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Até o mais controlado, organizado e sistemático ser humano vai passar ou sofrer algum tipo de mudança no decorrer de sua vida. Muitas vezes essa mudança pode acontecer gradualmente,  e outras, de forma traumática, repentina, e tanto numa das formas, como na outra, provavelmente será como um marco, um divisor de águas que poderá apontar novos caminhos, ou a retomada de um outro que há muito fora esquecido no tempo.

No Road movie uruguaio, “Rincon de Darwin”, os três personagens principais estão enfrentando algum tipo de mudança em suas vidas; Gastón acaba de ser abandonado pela noiva e ainda tenta reatar o relacionamento; Américo parece reticente em aceitar a chegada da velhice, enquanto Beto, se vê diante de uma nova realidade após anos morando na Espanha.

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Estes três homens, que pouco ou nada tem em comum, devem juntos, fazer uma viagem de carro pelo interior do Uruguai, rumo ao “Rincón de Darwin”, (local de que trata o título do filme e que Darwin visitou enquanto formulava a Teoria da Evolução das Espécies), a fim de tratar da documentação de uma casa herdada por Gaston. Américo vai como uma espécie de escrivão, e Beto, como o motorista da velha caminhonete que os conduz nessa pequena aventura que os farão se auto-reconhecerem ao mesmo tempo em que conhecem uns aos outros.

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Enquanto seguem o trajeto por belas paisagens rurais, os três personagens vão mostrando aos poucos os traços que os transformaram no que são hoje. As experiências, decepções, e principalmente os anseios do interior de cada um deles, transformam a viagem numa espécie de ponto de mutação, onde o que parecia imutável, passa a tomar forma, ainda que através de uma urgente necessidade.

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Diante de um roteiro simples, mas cheio de reflexões, Rincón de Darwin é o típico filme que deve agradar muita gente, principalmente aqueles que estão acostumados e são fãs de produções originadas de países latino americanos. Alguns dramas, humor refinado, boas atuações, fotografia e trilha sonora eficientes, além de uma curiosa (porém precisa), narração em off relatando os escritos do naturalista Charles Darwin, fazem deste um belíssimo exemplo da maestria de nossos hermanos em retratar certas particularidades do homem moderno.

Cotação:rating_stars4

Trailler:

 

 

 

 

 

La Tierra y la Sombra (2015)

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Desde que o capital se apropriou da terra, a vida do camponês tem seguido num ritmo de exploração cada vez mais intenso, em que os parâmetros mínimos de sobrevivência rompem limites a cada novo golpe, ao mesmo tempo em que o mercado supera suas crises às custas de sangue e suor de milhares de indivíduos que parecem “invisíveis” aos olhos do mundo.

O filme colombiano “La Tierra y la Sombra” traz um pouco da vida de uma dessas famílias de “invisíveis”, cuja pequena propriedade resiste em meio à imensos campos de cana, que alteram drasticamente a paisagem e trazem inúmeras consequências com as queimadas, (maior produção, maior lucro das usinas).a-terra-e-a-sombra-02

Já na primeira cena, sob uma poeira de cinzas quase que constante e que deixa o céu sempre escuro, vemos Afonso, um homem de cerca de 60 anos, que retorna à sua antiga casa e família, depois de tê-los deixado anos antes.

Ao chegar, é recebido por Manoel, o neto de seis anos que ele ainda não conhecia e logo é levado ao aposento no qual está a razão de sua volta; Gerardo, seu único filho, está com uma grave doença nos pulmões que o impede não só de trabalhar, mas também de ficar exposto a poeira que cerca toda a propriedade. Dessa forma, cabe às mulheres da casa (Esperanza, esposa de Gerardo e Alicia, ex-esposa de Afonso),  o sustento da família através do trabalho no corte de cana.

Apesar da forte mágoa que sente por terem sido abandonados por Afonso, Alicia não vê outra solução a não ser aceitar a ajuda do ex-marido e assim lhe confere tarefas de casa, como limpeza, o cuidado com Gerardo e  a companhia para Manoel, quando este está fora do período escolar.

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Apesar de não ser exatamente um “filme-denúncia”, todo o drama pelo qual a família passa, inevitavelmente tem como fator preponderante a exploração da terra e do trabalho por parte das usinas de cana-de-açúcar instaladas na região.

Desde a partida de Afonso, que não aguentava mais ver todas as mudanças ocorridas ao redor da terra em que cresceu e que constituiu família, até a doença que fez de Gerardo um moribundo, tudo é consequência da famigerada e ilimitada busca por mais e mais lucros. Além disso, vemos também as relações de trabalho que parecem muito bem arquitetadas pela usina, onde o “patrão”, é quase que uma entidade que nunca tem contato direto com os trabalhadores. Através do capataz, (este, apenas mais um pobre diabo com um punhadinho de poder), faz valer suas regras de exploração, tornando escravos os trabalhadores, que castigados pela miséria, esquecem e abrem mão de seus direitos e só conseguem lutar por sobrevivência.

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Com longos planos silenciosos e uma fotografia exuberante, mesmo que num tom bem escuro, o filme consegue a proeza de nos levar tão para dentro da pequena casa e de seus conflitos que é impossível não se emocionar em algumas passagens, principalmente nas que envolvem Afonso e o neto, ou nas cenas em que vemos o amor de Alicia para com Gerardo.Claro que nada disso seria possível se não fossem as grandes atuações do elenco, cujos papeis parecem terem sido escritos sob medida para cada um deles.

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Em tempos em que a Reforma Agrária permanece estacionada, que direitos trabalhistas são ameaçados e que as demarcações de terra correm risco de serem revistas, “La Tierra Y la Sombra” é um filme que precisa ser assistido, seja como um excelente drama que é, seja como filme-denúncia. Além disso, é de suma importância que as pessoas  tomem consciência de que o preço pela expansão do capital, segue sendo pago pelos milhares de invisíveis que insistimos em tapar os olhos para não enxergar.

Cotação: rating_stars5

The Revenant (2015)

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Alguns filmes, apesar de suas inúmeras qualidades técnicas, parecem produzidos com o único intuito não de concorrer, mas de vencer o Oscar. Foi assim com Gravidade, de Afonso Cuarón em 2013, foi assim com Birdman em 2014, e agora com The Revenant (os dois últimos, curiosamente dirigidos por Alejandro González Iñárritu).

Fotografia primorosa, direção impecável, atuações grandiosas, assim como outros quesitos mais técnicos fazem com que filmes assim sigam uma fórmula um tanto fácil, para alcançar o sucesso de crítica e público.

Muitos podem não ver problema algum nisso, desde que o material entregue seja de qualidade (e quase sempre o é), porém, chamo a atenção para algo que tem sido cada vez mais perceptível aos meus olhos como público consumidor de filmes, que é a perda da naturalidade, do novo, e até mesmo, da inocência do cinema.

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Antes de mais nada, reitero todas as qualidades presentes em The Revenant, com destaque especial para a direção de algumas cenas, como a da batalha inicial, que tem a câmera se movimentando de forma quase que mágica, diante do confronto que se trava entre um grupo de caçadores de peles e índios.

Já o roteiro, que segue a jornada de Glass (Leonardo DiCaprio) um integrante do grupo de caçadores de peles, que segue em busca de vingança contra o homem que além de enterrá-lo vivo, ainda matou seu filho, é repleto de clichês dos mais piegas, como imagens da esposa e do filho assassinados que dialogam com Glass por vários momentos em que este está para desistir de lutar contra os inúmeros desafios que o tempo todo tentam tomar sua vida.Há espaço para o herói honrado e bondoso, que arrisca a vida para salvar uma mulher em perigo e pro vilão inescrupuloso (Tom Hardy)que não mede esforços para ganhar a antipatia do espectador.

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Por sinal, os perrengues pelos quais o personagem passa, se encaixariam facilmente num filme de comédia pastelão ou mesmo num desenho animado, como o do coyote que persegue o Papa-léguas, tamanha sequencia de azar à que ele é submetido nas quase três horas do longa.

E mesmo com esses poucos, mais gritantes defeitos, creio que ainda assim, o filme vai receber os prêmios que almeja, e também vai alcançar um bom público que seguindo a cartilha do cinematograficamente correto, vai ainda cair de amores pela direção, fotografia, figurino, efeitos sonoros e atuação de DiCaprio.

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Entendo que muitos continuarão não vendo problema algum nisso, dirão até que hoje em dia, tudo que é produzido nesse segmento do mundo artístico, visa o sucesso comercial e que obra alguma está isenta do desejo de transformar ideias em dólares, mas ainda assim, dentro da minha inocência e vontade, continuarei preferindo a naturalidade e simplicidade de um Ramones, do que todo o profissionalismo arquitetado de um Deep Purple.

Cotação

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Les Revenants

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Aproveitando o fim do hiato de 3 anos entre a primeira e a segunda temporada da elogiadíssima série francesa Les Revenants, penso que este é um momento propício para um post sobre ela.

Ainda que a série seja um sucesso mundial de público (infelizmente ainda muito desconhecida pelo público brasileiro) e de crítica, o número de pessoas que a conhecem e a acompanham está longe de fazer justiça ao sucesso que de fato ela merece. 

Trazendo a questão da morte e de suas consequências como argumento principal, Les Revenants trata da incrível história de um pequeno vilarejo francês, onde de repente, e sem uma explicação aparente, pessoas que estavam mortas há anos, reaparecem como se nada tivesse acontecido no intervalo entre suas mortes e a volta (alguns, já mortos há décadas). 

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Desorientados, agindo como se ainda estivessem vivendo as horas que antecederam suas mortes, esses “fantasmas” buscam retomar suas vidas junto de seus familiares, que num misto de alegria, emoção e muita incompreensão, passam a viver numa tênue linha entre a loucura e a lucidez. 

Apesar de tratar de uma situação vista como ficção sob a ótica do mundo “real”, Les Revenants traz personagens incrivelmente verossímeis, com seus desejos, crenças, manias e lembranças, que representam fielmente toda a essência do ser humano, onde o racional e o irracional caminham intimamente de mãos dadas. 

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Todos os mistérios que envolvem o pequeno vilarejo e seus habitantes, também são muito bem amarrados, e em momento algum, tais mistérios tomam dimensões maiores que deveriam, (o que poderia transformar a série uma nova espécie de Lost, que acabou tornando o “por quê” a peça fundamental da trama). Não que em Les Revenants isso não tenha importância, mas os roteiristas souberam trabalhar tão bem seus personagens e subtramas que o espectador nunca se sente ludibriado ou mesmo manipulado como foi tantas vezes em Lost e em outras séries e filmes. 

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Outros quesitos mais técnicos, como a trilha sonora e a fotografia, também merecem destaque. Toda a aura melancólica que envolve a história está incrivelmente sincronizada com a música e com as lindas (porém tristes), imagens que são o cenário dos acontecimentos. E não só as imagens que retratam as paisagens externas, mas também as cenas internas, que geralmente mostram cômodos frios e até mesmo claustrofóbicos onde a segurança e a ausência de liberdade parecem dialogar num mesmo idioma próprio. 

Apesar de todas essas qualidades, julgo importante ressaltar que Les Revenants tem um ritmo muito próprio, muito lento, que provavelmente não vai agradar algumas pessoas. Eu, particularmente, considero que tal ritmo é imprescindível para uma trama desse tipo. O modo estadunidense de trabalho de forma alguma se encaixaria bem numa história assim, e a tentativa recente e frustrada de uma versão deles para a série acabou naufragando.

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Algo mais ágil, com cortes abruptos, tiraria toda a beleza dos momentos de reflexão que a série pode proporcionar. Afinal, sendo a morte o argumento central, a constante presença do silêncio faz muito mais sentido. 


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